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Ana Maria era uma menina magrela que morava na minha rua. Não, na verdade Ana Maria não era tão magrela assim. Tinha pernas compridas e alguém resolveu chamá-la de Olívia Palito. Não deu certo. Por alguma razão, Ana Maria sequer importou-se com o apelido e então, todos foram deixando de usá-lo. Mas, tinha algo em Ana Maria que incomodava a todos nós. Talvez fosse o jeito indiferente com o qual ela nos tratava, ou o desdém ante nossas brincadeiras, não sei... Ana Maria era um mistério para a rua toda.
Seus pais haviam mudado há pouco tempo e embora fossem tão reservados quanto a filha, não apresentavam a mesma aura de mistério. O tempo foi passando e Ana Maria cresceu. De repente, a menina sem graça e desajeitada transformou-se em uma linda moça com cabelos avermelhados e olhos incrivelmente verdes. Mesmo tornando-se atraente e despertando a atenção dos rapazes de minha rua, Ana Maria continuava misteriosa, apática no que dizia respeito a qualquer um de nós. Nunca ficava no portão para uma conversa, nem mesmo cumprimentava-nos direito. Não compreendíamos o que se passava por sua cabeça. Vieram então a faculdade, os novos amigos, formatura, e desse modo pude esquecer-me um pouco de Ana Maria. Casei-me três anos após concluir o curso de Serviço Social, e lá estava ela em meu casamento, com os antigos amigos de minha rua. Mas até em minha festa, Ana Maria se destacava: não porque quisesse, simplesmente acontecia. Sua figura bela contrastava placidamente com sua aura de mistério, lacônica, formando assim, uma visível antítese humana.
Após longos anos, com os filhos crescidos e quase casados, voltei à minha antiga rua para rever os amigos saudosos. Encontrei apenas rostos novos, famílias desconhecidas e o sentimento que invadiu minha alma era de abandono, quase solidão. Caminhei algumas quadras e parei em frente a uma casa familiar, um pouco desgastada pelo tempo. De meus olhos cansados, uma lágrima caiu silenciosamente e suspirei então, com certo alívio. As lembranças, estas ninguém poderia arrancar-me. Decidi dar meia-volta e retornar, quando notei certa agitação no interior da casa. Apertando os olhos, pude acompanhar a movimentação da figura esguia que se encaminhava para fora. Aproximei-me do portão, para lhe perguntar, quando abrisse a porta, do destino de meus amigos, se sabia onde poderia encontrá-los. A porta se abriu. Não pude conter as lágrimas. A mulher que sorria para mim conservava toda a beleza de outrora. O tempo não lhe afetara. Nada pude dizer, apenas contemplar.
Com ela era assim: não lhe fazíamos a menor diferença. Virando-se, Ana Maria retornou a casa sem esboçar o menor sinal de surpresa ou contentamento. A porta se fechou, e novamente a única pessoa que me intrigou nessa vida, retirou-se como uma rainha. Ana Maria era mesmo um mistério para todos nós...
(Soraia David)