Por Cleyton Carlos Torres, in Observatório da Imprensa
Alguns jornalistas nunca chegarão a ser jornalistas. Pelo menos não na definição de boa parte dos profissionais que ainda insistem no monólogo de que jornalista é apenas o profissional que trabalha dentro de uma redação. No mínimo pedem que você também tome uma xícara de café e fume um cigarro; talvez um charuto dependendo da sua função dentro da hierarquia da empresa. O mundo mudou e muitos ainda não se deram conta disso. Ou se negam a ver as mudanças.
Não é demérito algum dizer para um jornalista que ele não será jornalista. Veículos de comunicação do mundo todo estão realizando demissões em massa com o único argumento de que a crise econômica que paira sobre a imprensa está cada vez mais densa e obscura. Por um lado é verdade, já que o digital impactou de maneira agressiva muitos pilares tradicionais do mercado. Um exemplo?
A indústria fonográfica talvez tenha sido uma das primeiras a enfrentar uma realidade tortuosa com o universo digital. Porém a indústria fonográfica vive crises agudas justamente em um momento onde nunca se consumiu tanto áudio mundo afora. As gravadoras se assustaram, mas o iTunes não. A revolução na maneira de se disponibilizar e vender um conteúdo que tendia um segmento ao fracasso fez com que uma nova visão de mercado surgisse. Outro exemplo? Enquanto os canais a cabo se descabelam, o Netflix vai nadando de braçadas. Já tem mais clientes do que a HBO.
Startups, blogs, portais e canais
E esses novos modelos impactam o jornalismo – e os jornalistas. O jornalismo foi um dos segmentos que mais negou o movimento digital, mesmo sendo um dos mais importantes. A lentidão de profissionais e jornais a enxergarem com novos olhos a economia criativa resultou em um colapso global na imprensa. Os veículos jornalísticos tradicionais nada mais são do que a projeção das imagens de profissionais tradicionais, sem vontade de mudança. O maior concorrente do New York Times, por exemplo, não é outro jornal, mas sim, as startups que estão “abduzindo” mentes jovens e criativas, oferecendo um ambiente igualmente criativo e inovador. Ressaltando que jovem não significa pouca idade e que inovação jamais significou ações pirotécnicas.
Nessa linha, muitos profissionais da imprensa estão pulando do barco. Sim, estão desistindo da profissão, pois perderam a essência do sonho, a vontade de seguir em frente revolucionando e estruturando toda uma sociedade. É possível observar jornalistas abrindo escritórios de moda, dando aulas de matemática e programação, realizando consultorias em planejamento digital e, até, jornalistas que decidiram migrar para publicidade ou marketing. Esse último setor, por exemplo, tem atraído um número colossal de profissionais, já que é um ambiente dinâmico e altamente inovador.
O jornalismo morreu? Claro que não. Nenhuma sociedade moderna e minimamente democrática consegue se manter sem esse fluxo informacional. Mas os jornalistas talvez estejam mudando suas posições. Estão aplicando todo o conhecimento da profissão em outros setores, já que qualquer profissão do mundo pode receber positivamente as técnicas da comunicação e o olhar crítico dos profissionais. Outros, no entanto, estão migrando para startups, blogs, portais independentes e canais particulares. Estão criando mídias próprias, seja um blog com 3 milhões de acessos diários ou um canal no YouTube com centenas de milhares de visualizações nos vídeos. São jornalistas que jamais serão jornalistas, pois nunca foram tradicionais no pondo de vista dos profissionais conservadores.
Só sei que nada sei
Isso é extremamente benéfico de um certo ponto de vista, já que a gama de profissionais ecléticos aumenta consideravelmente, porém nos obriga a estender um olhar mais demorado sobre os grandes veículos de comunicação. Muitos negaram o digital, é verdade, mas não todos. Porém, enquanto as demissões em massa continuarem sendo notícias, profissionais das redações insatisfeitos com os veículos irão continuar na migração de setores. Enquanto as demissões em massa continuarem sendo notícias, mais e mais jornalistas optarão por não serem “jornalistas”. Por um lado, esvaziamos as redações, mas por outro engordamos a linha de jornalistas consultores, jornalistas programadores, jornalistas independentes, jornalistas designers, jornalistas professores, jornalistas digitais. Jornalistas.
Cabe, por fim, em modo de ousadia, começarmos a discutir o que define um jornalista. Se é o profissional com 30 anos de redação em um dos veículos mais importantes (e tradicionais) do país, alvo das críticas das manifestações, ou se jornalista é o profissional que usa os preceitos da profissão, leva consigo a ética debaixo do braço mas nunca piscou em uma redação, pois optou exercer funções paralelas que envolviam gestão, imprensa e digital. O que é um jornalista hoje?
Só sei que nada sei. E sei que estamos na geração de jornalistas que nunca chegarão a ser jornalistas. Pelo menos não na definição de boa parte dos profissionais que ainda insistem no monólogo de que jornalista é apenas o profissional que trabalha dentro de uma redação.