domingo, 14 de agosto de 2011

Das coisas que não voltam mais


Existe uma relação entre o cinza e a ausência. Os pais que me perdoem, mas meu domingo está cinza.

Hoje não quero saber do discurso simplista e confortável sobre a morte, essa solidão desconhecida, herança que ninguém quer. Hoje não quero ouvir que precisamos nos conformar com a dor da perda ou que 'onde quer que aquela pessoa que amamos esteja, encontra-se em paz e enviando-nos boas energias'. Não quero pensar - pela enésima vez - que aquele tom de voz por vezes debochado, por outras autoritário - não será ouvido novamente, nem que verei outra vez aqueles olhos castanhos marejados diante das despedidas (e ouvir "eu te amo" em cada uma delas!)

Hoje não quero pensar que foi melhor assim. Meu pai poderia viver 100 anos e ainda assim acharia pouco. Hoje queria acordar com o dever de lhe entregar um presente, uma bobagem qualquer, qualquer coisa! Queria um domingo nosso, de abraços carinhosos e de falas bobas, daquelas que a gente ria e depois mudava o rumo da conversa para assuntos mais sérios. E ele tinha tantas coisas para contar, mas muitas vezes preferia o silêncio.

Sempre achei que meu pai dava sentido à palavra solidão.

Hoje percebo que ele silenciava na hora certa. E quando falava, era a coerência em pessoa. Rude, porém de honestidade e caráter incontestáveis. E daí vem toda essa saudade.

Dia cinza. Falta alguém nesse domingo, porque nos demais dias, nem é bom lembrar.
Já disse que hoje não quero saber de palavras que retoquem a ausência. Ela está aqui, forte, vibrante e me fazendo entender como é difícil viver sem um pedaço da gente.


5 comentários:

  1. Acho extraordinária essa sua capacidade de dizer as coisas do jeito que elas são.
    Eu também sinto falta de meu pai. Embora sendo pai, ainda tenho algo de menino carente de afeto e daquilo tudo que você disse a respeito do seu pai.
    Eu até diria, como Carlos Drummond de Andrade: "Se eu fosse Deus, baixava um decreto - "Mãe é eterna. Mãe não morre".
    Eu faria até mais: "Pai e mãe são eternos, não morrem".

    Rodrigues

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  2. Obrigada, Rodrigues. Vindo de vc, é um grande elogio e tb incentivo.

    Com esse decreto, por certo que tb concordaria. Amor ad eternum.

    Beijo!

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  3. Tá vendo, menina, como sempre há meios de tocar as cordas de teu coração doce e sensível?
    Seja uma boa menina e cuide-se.

    Rodrigues

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  4. Quero outra dádiva de sua parte - que você seja feliz.
    bjs.

    Rodrigues

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  5. Isso me lembra Cecília Meireles, caro Rodrigues! Apresentei esse poema ao meu grandão e compartilho com vc tb! Meigo, claro, bonito.

    "A arte de ser feliz"

    Houve um tempo em que minha janela se abria
    sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
    Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
    Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
    e o jardim parecia morto.
    Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.


    E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
    Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
    Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro.
    Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
    Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
    Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.


    Às vezes, um galo canta.
    Às vezes, um avião passa.
    Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
    E eu me sinto completamente feliz.
    Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
    que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
    outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
    finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim. (Cecília Meireles)

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