Artigo - Menos é Mais: acredite nisso

As mudanças não param mesmo. Agora as novas regras para o setor de consórcios, possibilitam às suas administradoras que trabalhavam com bens móveis e imóveis, abrir grupos de consórcios de serviços de qualquer natureza, como cirurgias plásticas, viagens, cursos de informática, pós-graduação e estudos no exterior. Inclusive prótese dentária. Sorriso oscilante só terá quem quiser. O Banco Central confirmou: seus problemas acabaram. Fico pensando o que diria aquela velha senhora que se posta no fim da tarde na soleira de sua velha porta, numa casinha qualquer em qualquer região sofrida desse Brasil, e descansa seus olhos arcados pelo tempo sobre o ponto longínquo que a acena há décadas, informando que aquela é sua última parada. Penso nos tons alaranjados que devem tomar as paredes de sua velha casa quando o sol, uma vez mais, despede-se de minha imaginária personagem, sensibilizado pela solidão do lugar e do pensamento. Tem pensamento solitário, claro que tem. Você nunca viu um? Preste atenção na vizinha que fala pelos cotovelos ou naquela bonitona que vive contando as viagens fantásticas que faz, os lugares onde visita e as compras incríveis que faz nos points da moda. A solidão se instala no pensamento de qualquer pessoa, faz um estrago danado dependendo de como tratamos a bichinha. Mas falava da figura imaginária que me veio à mente enquanto lia a notícia sobre as tais regras para o consórcio nacional... Financiamento para prótese de silicone, dentes novos, especializações que irão nos conferir muito mais status (quo é tão bonito, mas perigoso, afinal, tem que caminhar pra frente e não regredir), enfim, a mensagem que querem passar é “ seja MAIS, tenha MAIS, MAIS, CADA VEZ MAIS!” – e onde está aquela paz, a serenidade que só os anos vividos pode trazer à nossa alma e ao nosso corpo, agora visado pelas redes de consórcio? Não sou velha, mas também não sou mais aquela jovem que ia (ah, se fosse mais ousada, ia sim) mudar o mundo, como diria o precipitado Cazuza, mas ando meio cansada da agitação e da alucinada corrida diuturna contra o tempo. Horário para acordar, para trabalhar, para comer, para chegar, para sair, para ficar com os filhos (isso deveria ser crime!), horário para ler, para sofrer, para conversa fiada, horário para viver... Por isso a imagem da velha mulher está insistindo em se instalar em algum lugar de minha memória. Um flashback do que já vivi ou o prenúncio do que irá acontecer? Não sei. Tenho que considerar ainda, amparada pelas teorias da psicologia que pode ser perfeitamente o desejo inconsciente de abandonar tudo e viver isoladamente, amanhecendo trigais e deitando com a noite, ao som do sei-lá-o-que-me-embala, algo como a vontade perturbadora de voltar às origens da humanidade. Fugir do “progresso”, da “tecnologia”, do “aprimoramento” – coisas que rotulamos como boas e imprescindíveis, mas que sufocam o ser humano que ainda existe no fundinho de cada um de nós. A vida parece irresistivelmente VIVA quando visualizo a solidão poética dessa velha mulher, que me acena sem sequer levantar o braço.