quarta-feira, 18 de março de 2015

A Flor de Lótus tem futuro no Brasil? - por Giovana Bosquiroli




Uma dona de casa cascavelense, filha de tradicional família da cidade, acaba de ganhar o 1º lugar em um concurso de fotografias promovido para divulgar uma campanha contra a corrupção.

A façanha, você já deve ter desconfiado, não aconteceu no Brasil, onde o tema anda meio desmoralizado, mas na China, cujo atual governo elegeu como prioridade nacional o combate implacável aos ladrões do dinheiro público.

Há cinco anos, Giovana Bosquiroli foi morar na China acompanhando o esposo, também brasileiro, funcionário de uma multinacional.
Eis a história do prêmio, relatada por ela:

“No final de 2014 participei de uma atividade da administração municipal da cidade onde meu marido trabalha, Nantong, província de Jiangsu.
A ação consistia no uso de alguma expressão de arte para documentar e divulgar o compromisso do governo e do cidadão com a política anticorrupção deflagrada pelo presidente Xi Ji Ping.
Esse programa foi divulgado a todas as empresas, e seus funcionários ou familiares poderiam participar.
Depois de muita insistência do meu marido, aceitei o desafio, sem ainda ter qualquer noção do que faria.
Como não sei desenhar, busquei umas fotografias de flores que havia feito no verão, em julho de 2014.
A mais importante delas, aqui, é a flor de Lótus. Escolhi uma delas e recorri, então, à ajuda de Lao Shi, minha professora de chinês.
Contei a ela a história, e disse que, inspirada na flor de Lótus, eu gostaria de expressar, em uma frase, algo sobre o tema.
Depois de umas 3 frases, chegamos a uma que representava bem o que pensava: a flor de Lótus que nasce na lama, na água suja, parada, mas nasce linda e assim se mantém até a sua morte.
Quer dizer que, ainda que você nasça na lama, você pode ser limpo e manter-se limpo até o fim dos seus dias.
Segue então a frase:
出淤泥而不染 (chu yuni er bu ran).
Com a fotografia em mão e a frase definida, parti para aprender a escrever esses ideogramas, e colocá-los na base da minha fotografia.
E assim foi, depois de muitos papéis quadriculados, varias repetições, escrevi a minha frase e emoldurei o conjunto entregando a “arte que deu obra” no último dia possível.
Depois de três meses de férias no Brasil, chegando de volta à China, no primeiro dia, ainda perdida no tempo por conta das 10 horas de fuso horário, meu marido chega com a informação de que no dia seguinte eu deveria estar em Nantong para receber a premiação do concurso. Havia sido escolhida, na categoria fotografia, como Primeiro Lugar.
No outro dia, conforme combinado, estávamos lá, na Secretaria do Desenvolvimento de Nantong, na cerimônia de entrega dos prêmios. Para minha surpresa, eu era a única estrangeira (Lao Wai). A mesa composta pelos Secretários e dirigida por uma mulher, que era responsável pela implantação da Política Anticorrupção no Município, foi convocada e deu-se inicio aos 30 minutos de divulgação dos resultados.
Fotos, cumprimentos, porém, sem pompas e circunstâncias.
Quando chegamos na China, em 2010, a cada evento do governo, o exagero nos banquetes, nas bebidas, nos carros e nos presentes era visto e falado.
Hoje, os governantes estão proibidos de fazer banquetes para comemorações.
Simplesmente se faz o evento para discutir o assunto, divulgar resultados, tomar decisões, porém, não se faz mais nada que possa deixa-los suscetíveis aos olhos de seus superiores.
As pessoas me perguntam, e aí, que prêmio você ganhou? Foi o reconhecimento traduzido num diploma e cumprimentos.
Em tempo: ao lado do auditório, na saída da cerimonia, as pessoas eram conduzidas a uma exposição de todos os trabalhos (fotografias, caligrafias, desenhos, grafites, etc.) e painéis com imagens de corruptos condenados presos, atrás das grades.
Rapidamente fizemos a soma dos valores roubados, que eram informados nas fotografias, e nem de perto chegamos ao montante que alguns brasileiros roubaram aqui dos cofres públicos.
Falando hoje com minha secretaria, que vem me ajudar a limpar a casa duas vezes por semana, mostrei a ela o meu diploma e ela confirmou a questão da preocupação com a retidão de atos e palavras.
Ela me contou que a partir deste novo Presidente, existe inclusive um telefone, um sistema de tele-denúncia.
Qualquer cidadão pode denunciar e ser denunciado por atos suspeitos de corrupção. 
Para finalizar, mas voltando à cerimônia, durante aqueles 30 minutos de apresentação eu pensava: será que eles sabem que sou brasileira, e que no meu país, agora, estamos atravessando a maior crise de princípios básicos de vida que uma nação já viveu?
Chega a ser irônico.”
Fonte: Blog Caio Gottlieb/CGNFoto: Arquivo pessoal Giovana Bosquiroli

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