Na estreia do filme Olga (Jayme Monjardin, 2004), o dr. Wilson Carlos Kuhn comentou: “Nós nem parecemos que amamos as mulheres. Elas aparecem em nossa história como se fossem penduricalhos, adereços, objetos secundários”. Talvez possamos nos refazer daquela censura ao destacar duas figuras femininas que jamais frequentaram as páginas dos jornais, menos ainda os livros de história: d. Maria e d. Luzia. Além de cuidar de suas respectivas residências e da família, elas cumpriam, meio século passado, tarefas hoje inimagináveis. Dona Maria, esposa do coronel João Rodrigues da Silva Lapa, e dona Luzia Lara, esposa do cabo Oldalírio Pinto da Silva. De fuzil em punho, faziam a segurança da cadeia de Cascavel quando os maridos e os poucos policiais militares de então saíam em patrulhas pelo vasto Município de Cascavel na década de 60. Essa “guarda adicional” era necessária para evitar que os presos fugissem ou que fossem resgatados. Para que Cascavel possa homenagear essas mulheres, estamos pretendendo trazer d. Maria para uma visita ao Museu Histórico Celso Formighieri Sperança e aproveitar para gravar em nossos anais históricos seu depoimento sobre o já extinto coronel Lapa e seu trabalho como delegado especial de polícia de Cascavel, designado para combater os conflitos de terras. Vale dizer que Lapa foi mandado pelas elites paranaenses para dar combate aos posseiros – o equivalente ao MST de hoje. Pelas armas ou pelo convencimento, sua missão era acalmar a rebeldia dos posseiros que não suportavam mais o ataque dos jagunços – os “seguranças” dos grandes proprietários de terras no Paraná, geralmente fazendeiros paulistas – e reagiram também à bala, emboscando os pistoleiros. Os fazendeiros, os famigerados “grileiros”, roubavam as terras do Paraná usando documentos frios garantidos pelos cupinchas enfiados no governo. Usavam a Polícia Militar para suas malandragens, expulsando os posseiros pelas armas, incendiando seus barracos ou comprando suas “posses” na marra por uma ninharia. Os bancos os substituíram no jaguncismo, o que já é outra história. Chegava a ser difícil, na época, distinguir um jagunço de um policial militar, a não ser pelo fato de que o primeiro era assalariado do fazendeiro e o segundo era pago pelos cofres públicos – mas as funções em muitos casos eram mais ou menos as mesmas. Lapa não cumpriu à risca o script que as elites lhe deram. Ele, de fato, usou sua mão pesada para prender todo posseiro que passasse dos limites. Mas com a mesma mão pesada ele bateu forte nos jagunços: prendeu meio a meio. Por isso os jagunços tentaram matá-lo dentro do Hotel Americano, onde morou. Na Operação Desarmamento, ele colocou tanto jagunços quanto posseiros, lado a lado, com suas armas apreendidas postas à frente, como a dizer: “Agora isto aqui tem lei. Quem quiser brigar por terra vá à Justiça!” Lapa foi o único a ter a coragem de prender o famoso Marins Belo, que depois se tornou agente da ditadura. Com a tal “ditabranda”, Lapa já não podia mais fazer as coisas do seu modo. Sem imaginar no que aquilo ia dar, ele mandou nosso inesquecível Eli do Espírito Santo prender o ex-deputado estadual Walter Pecoits na casa do “notório subversivo” José Neves Formighieri. Pecoits, na prisão, onde hoje é o Centro Cultural, teve um olho vazado ao sofrer tortura. Aliás, Neves também foi torturado, mas em Foz do Iguaçu. Agora, superados aqueles dias dramáticos de horror e sangue, podemos agora passar a limpo as figuras significativas de nossa história e cumprir o desejo do dr. Wilson: valorizar as mulheres e sua participação na luta pela formação da bela região que hoje temos. Que tal fazer uma bela homenagem a d. Maria, já que o coronel Lapa, com sua pesada e salomônica mão na luta da terra, morreu esquecido por todos? Garanto que arranjo a primeira flor para oferecer a ela.
Alceu Sperança - escritor - alceusperança@ig.com.br
Fico viajando no passado quando leio artigos do Sr. Alceu e Dr.Wilson... que humano fantastico que nos deixou.
ResponderExcluirDr. Wilson foi tão educado que chegava a ser chato , que saudade do amigo...
Tem razão, Hi. Alceu Sperança é uma figura ímpar e dr. Wilson Kuhn deixou uma lacuna que dificilmente será preenchida, pelo ser humano fantástico que mostrou ser em sua estada terrena.
ResponderExcluirAgradeço pela gentileza.
ResponderExcluirOlá Alceu
ResponderExcluirE eu presenciei parte destas coisas que você narra aqui, pois sou filho do então CABO OLDALÍRIO PINTO DA SILVA e de dona LUZIA LARA DA SILVA.
Conheci muito bem o coronel JOÃO RODRIGYES DA SILVA LAPA E sua esposa, dona MARIA.
Ela vive em Curitiba, na rua 24 de Maio, tem 94 anos de idade e uma saúde de dar inveja.
Abraços amigão. Você é do nosso coração.
Erico Pinto da Silva.