Provoque (ou não)

Tenho pensado seriamente há alguns dias em como escrever algo sobre as mulheres sem parecer feminista ou promover alardes feministas e sinceramente, tal proeza talvez seja impossível. Para entender melhor caro leitor, é preciso que baixe as armas machistas cultuadas através do tempo e que leia o texto de hoje com olhos, mente e coração femininos. Prometo que não vai doer. Em tese. Quando chega o esperado dia em que as mulheres do mundo inteiro são homenageadas por sua data, nos deparamos com todos os tipos de comentários possíveis na Internet, na mídia e até mesmo entre nossos amigos. Uns criticam duramente alegando não haver motivo para tal comemoração, se considerados os números que comprovam como a mulher é preterida ante os freqüentes indícios de sexismo por parte da sociedade. Por outro lado, os otimistas fazem questão de ressaltar a data levando em conta os feitos e conquistas da mulher ao longo da história. Afinal de contas, deve-se ou não comemorar esse raio de data? Fico com os otimistas, sempre! E salve as mulheres que arriscaram suas vidas desde o início dos tempos para impor ao mundo sua presença, sempre odiosamente sobrepujada pelas ditas regras de conduta de época! Neste momento, impaciente leitor, quero ardentemente que devore com sua perspicácia, seja ela dotada de neurônios masculinos ou não, a célebre passagem da escritora Armelle Le Bras-Chopard:

“A grande obsessão ( e medo) dos homens continua a ser a liberdade das mulheres: já não se trata de queimar uma boa parte delas, como no tempo das bruxas, mas a lei, uma vez que o Estado tem condições de, em nome da sua soberania, promulgá-la e fazê-la aplicar, é um meio que permite refrear a autonomia de todas as mulheres .”

Convenhamos... Como afirmar por aí que as mulheres possuem menor capacidade intelectual ou científica, depois de ler algo assombrosamente inteligente e lógico? Retroceda no tempo. Se a memória falhar, pesquise nos livros ou no Google. Por qual razão mesmo as mulheres foram condenadas à fogueira, tidas como bruxas? Baseada em quais pilares a sociedade submetia as mulheres à humilhação da proibição do sufrágio universal ou ao direito da expressão política, artística ou profissional? Localize-se no tempo atual. Por que cargas d'água mulheres que ocupam os mesmos cargos masculinos ganham menos? Ou explique o motivo de termos na política nacional baixa representatividade feminina e estranhamente, mitigada com o passar dos anos? Armelle estaria certa ao escrever que os homens temem a autonomia feminina ou equivocou-se quanto a nossa capacidade de discernir sobre nossas escolhas? Respondo que o tempo nos tomou esse direito. A humanidade arrancou de nossas almas a essência de dirigir. Ficamos órfãs de vontades e realizações pessoais. Tivemos que sonhar por muitos. Nos vimos concretizando planos de outros. Adiaram nossos projetos e de repente, descobrimos que podíamos sonhar e realizar esses sonhos sem pedir autorização a ninguém. E pasmem, sonhamos, realizamos nossos desejos e ainda amamentamos nossos filhos e orientamos nossas secretárias do lar enquanto administramos empresas e comandamos pessoas. Quem disse mesmo que 08 de março é baboseira? É apenas uma forma de lembrar o passado, para que as ações presentes e futuras façam valer a pena cada lágrima, dor, humilhação e sofrimento vividos por mulheres anônimas e famosas, feministas ou não que enxergaram muito além do que lhes era permitido em nome da “lei”.

E não é que a justiça é cega?

Domingo, 8 de março de 2009. Pode armar-se novamente com seu machismo exacerbado ou sutil. Estamos à espera de dias melhores... E não de guerra.

Soraia David