domingo, 9 de agosto de 2009

Tempo e Oportunidade

"Gosto de escrever. Aliás, gosto muito. Desde as séries iniciais me meto a escrever sobre as impressões da vida, sejam elas boas ou ruins. Lembro-me do primeiro conto que escrevi ainda na adolescência, que retratava a amizade entre uma velhinha que amava a vida loucamente e um adolescente apático que adorava passar as tardes no cemitério. Morbodeu Funeral e Rosalina Pernafina, esses eram os personagens do conto. Nunca foi publicado, como a maioria das coisas que escrevi, mas tal fato não me deixa mais ou menos infeliz. Escrevo porque gosto, pronto. Escrever sobre o momento político que vivemos, sobre as injustiças sociais existentes, sobre a indignidade da população ante a violência ou acerca das relações humanas não é tarefa difícil. Nem mesmo falar das datas que marcam nossa existência, como o dia das mães, da mulher, natal, ano novo, enfim... Complicado e estranho, é escrever sobre esse tal dia dos pais. Sinto-me quase impotente, uma certa hesitação toma conta de mim. É difícil falar de perdas, e dia dos pais, ao menos para mim, significa falar de perda. Você vai entender o que quero dizer, mesmo que seu pai ainda esteja ao seu lado, gozando da mais completa saúde. Cresci numa cidade no interior do Paraná, correndo pelas ruas e brincando com meninos, replicando ao vento os insultos que fazia em meus cabelos e trocando com o rio das Cinzas, confidências sobre o futuro. Meu pai, homem simples, rústico, porém de firme educação e irreprovável caráter, marcou minha vida pela força que trazia nos poucos comentários feitos sobre o mundo. Era econômico nas palavras, transparente nas atitudes como poucos homens que conheci. Não me deu luxo, mas presenteou-me com amor e proteção. Custei um pouco para entender isso, mas quando aconteceu, simplesmente entendi e agradeci em silêncio. Que grande bobagem o silêncio! Quando dei por mim, o tempo havia passado e a oportunidade de dizer o quanto me orgulhava de ser sua filha, também passara. Ele se foi há alguns anos, e a saudade aperta mais nessa data em que as famílias reúnem-se em torno da figura paterna para o famoso domingo dos pais. Os dois lados da vida; dor e alegria. Isso me lembra a frase com a qual Tolstoi inicia sua obra, Anna Karenina: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Não se trata de infelicidade, mas de ausência da alegria, uma espécie de lacuna que não se preenche mais. No domingo não irei comemorar, e a sensação de perda estará lá, de órfã adulta, de menina perdida na infância procurando a mão protetora sem alcançá-la. Essa sensação deverá suavizar-se com o tempo, mas sempre estará lá... Tempo e oportunidade. Eis os aliados que nem sempre aproveitamos para dizer o óbvio aos nossos pais. "
(Saudade que não cessa.)

2 comentários:

  1. Soraia, essa sensação de vazio é algo que me acompanha desde bem pequeno. Meu pai está lá, em algum canto de minha herança genética e, segundo minha mãe que também é parte de minhas lembranças há mais de 20 anos, meu pai tinha todo o empenho de me proporcionar uma infância digna e uma vida segura. Tinha suas ambições para nós, como me tomar pela mão para ir à beira do riacho para me ensinar a pescar. Não teve tempo, alguma coisa que chamam de morte o levou. Mas está lá e, de certa forma, parece-me ouvir um oi! Foi em nome dessa memória ainda viva (cada vez mais viva, na realidade) que fiz e faço por meu filho muitas das coisas que sonhei que meu pai IA fazer.
    Posso lhe garantir uma coisa: se ele não está presente fisicamente com você, eu, seu amigo, estou. Tenho idade para ser seu pai. Deus te abençoe, filha.

    Rodrigues

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  2. (Obrigada, Zé. Você é um grande amigo e não tenho dúvida alguma quanto ao orgulho que Ralph sente em tê-lo como pai!)
    Beijo!

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